quinta-feira, 9 de outubro de 2008

De um Possível Livro de Auto-Ajuda

No melhor episódio de Coupling, "The Man With Two Legs", Jeff se apaixona por uma mulher da qual ele consegue ver todo dia no trem, alguns bancos à sua frente, apenas a nuca e a perna esquerda, sempre dobrada. Um dia, após inúmeras viagens, a mulher dá lugar a uma obesa e resolve mudar de banco, vindo se sentar na frente dele. A mulher é linda e Jeff, obviamente, congela e não consegue saber o que fazer. No desespero, começa a dizer coisas como "i see you have the other leg too. Well, it's good to have both legs. Not that I'm an amputater, it's just that it's good to have...legs", até que a mulher pergunta o que o incomodava tanto e ele responde que não tem a perna esquerda. Depois, a mulher começa a sair com ele - ela entende o problema, o irmão também é amputado - e Jeff foge todas as vezes em que vão acabar sozinhos na casa dela pois não tem como desfazer a mentira da perna. Jeff caiu no erro da mentira sem prazo de validade.

A mentira inofensiva é uma arte. Quando bem contada, pode se transformar em uma dos mais poderosas benesses que alguém pode fazer ao mundo.

No táxi, costumo sempre ser outra pessoa. Gaúcho, argentino e grego são três personagens recorrentes. A benesse da mentira está na diversão que você está dando a si mesmo e também ao outro, no caso do taxista. Não irá fazer diferença alguma na vida do sujeito se eu for carioca ou gaúcho - e, algumas vezes, ele até dá uma voltinha a mais pra enganar o sujeito de fora, que pago com maior prazer para ele como esforço de platéia ou algo do gênero - mas garanto que os momentos de diversão dele serão infitamente maiores discutindo se o grêmio irá ser campeão brasileiro ou contando piadas de gaúcho para mim do que se fosse a mesma discussão de sempre. O mundo está mais feliz.

Há inúmeras outras formas de mentira inofensiva, como ser músico sertanejo para seu companheiro de avião num longo vôo para Manaus - "prometo vê-lo no show amanhã, Juvenal" foi a frase dele quando nos despedimos - ou especialista em restauração de pedras portuguesas numa visita a um mosteiro no interior de Minas.

Um dos fatores a ser observado é não se empolgar na mentira, de modo que ela saia do controle. Certa vez, em Praga, estava numa boate com uma camisa com a frase "Stunt School" e uma menina - linda linda de morrer como só o leste europeu é capaz de proporcionar - veio me perguntar se eu era um dublê. Respondi que sim, tinha estudado em uma famosa escola do Brasil e tal, e foi o suficiente para abrir a guarda do sorridente anjo na minha frente. Bastava o próximo passo e a noite teria sido maravilhosa para todo mundo - eu teria um anjo e ela teria tido uma noite com um famoso dublê brasileiro. Mas, na empolgação, resolvi estender a mentira além do que era necessário: comecei a simular quedas na pista de dança, como seria tomar uma garrafada na cabeça no bar, etc. Fiquei todo melado e sujo daquela gosma de chão de boate e a menina, constrangida, sumiu.

Uma importante regra da mentira infoensiva é seu prazo de validade: ela nunca pode durar mais do que 24hs. Caí no erro de simular ser thceco e um amigo croata em um bar que frequentava muito há alguns anos. Claro que as 10 caipirinhas que tomamos num outro bar antes contribuíram, mas é preciso ser forte nessas horas. Em poucos minutos, o tcheco e o croata haviam se transformado na atração da noite, cercados de gente. Obviamente minha super mentira foi um sucesso e terminei a noite com uma menina que adorava minhas histórias da infância na Boêmia. Na semana seguinte, de volta ao bar, escuto uma voz chamando "Peter"e demoro a me dar conta que era a mim que a menina chamava, a mesma da semana anterior. Sumi de lá em 5 minutos e passei alguns meses longe do bar. A mentira inofensiva havia se transformado num monstro gigantesco, como a mentira da perna de Jeff.

"Mentira Inofensiva - Fazendo a Humanidade Mais Feliz" poderá ser meu primeiro livro de Auto-Ajuda.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Obras-Primas Atuais

"A Evolução do Comunismo na Pelagem Facial de Seus Líderes" - Arte Revolucionária Chinesa

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Justiça

Certa vez uma cartomante de uma país qualquer do leste europeu, uma dessas ciganas que ficam na rua e por algum motivo falam uma língua que você entende, me disse que eu não teria filhos.

Não que eu realmente os queira: deve ser chato demais todo o trabalho e tudo. Admiro os países cuja taxa de natalidade é declinante e causa preocupações e tudo, costumam ter as pessoas mais legais - a Europa está aí para provar minha teoria. Entre filhos e um mochilão tardio pela África subequatoriana ou um intercambio na Mongólia está a diferença entre as pessoas legais e os outros. Não dá pra ler Guerra e Paz em paz (piada de pessoas que se casam e têm filhos) com uma criança chorando e uma mulher enchendo o saco.

Mas, acho que o fato de eu não vir a ter filhos é mais justiça divina. Quando penso em filhos, vislumbro um excelente canal de experiências práticas maneiras.

Nomes, por exemplo. Se um dia vier a ter uma filha, ela se chamará Svetlana. O apelido será Sveta. Não entendo quem insiste nos mesmos nomes de sempre, deve ser uma das causas da falta de personalidade das pessoas. Svetlana, invariavelmente, será uma criança com a alma russa - algo entre uma heróina sofrida do Dostoievski e uma consumidora compulsiva da Moscou moderna. Uma Ana Carolina está fadada a ser mais uma brasileira típica, com tudo de ruim que isso envolve, enquanto a pequena Franny (segunda filha) estará pedindo no aniversário de quinze anos uma viagem de 1 ano pelos mosteiros do Tibet e Nepal e Maljna (terceira filha) irá encenar Ibsen na escola aos seis anos.

Já Hades vai ser um gótico uberletrado, temido por todos na escola, e Svensson estará preparando os formulários para aplicar para a Universidade de Reykjavik enquanto Pedro, João e Gabriel pegam onda, escutam Bob Marley e acham uma chatiação ter que ler Machado de Assis para a escola - foi pra eles, de certo modo, que Brás Cubas disse "não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria". Há esperança.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

De volta, ou de ida

De volta da Ásia. Lugar estranho, comida estranha. Mas, dá pra fazer um top 5.

Top 5 coisas da viagem à China:

1. Fazer escala em Paris;
2. Comprar cartazes de propaganda comunista da Revolução Cultural de um velhinho num Hutong;
3. Conhecer uma mulher da Letônia;
4. A arquitetura bizarramente arrojada dos novos edifícios comerciais de Beijing: uma mistura de Manhattan com Taj Mahal;
5. Assistir Bienvenue chez les Ch’tis no vôo e conseguir rir com uma comédia francesa.

Menção honrosa: espetinho de cavalo marinho, sopa de barbatana de tubarão e estômago de peixe defumado.

Troféu abacaxi: a "empolgante" noite chinesa.

domingo, 3 de agosto de 2008

We Are The Custard Pie Appreciation Consortium

Só houve um artista musical no genial 1968: o LSD. É mais ou menos como os livros psicografados: White Album, LSD psicografado por Beatles; LSD, psicografado por Syd Barret, e por aí vai. Um grande autor, morto há tempos e substituído pela cocaína que fez aquele estrago todo nos anos 70.

Diz-se que o uso do ácido potencializa sentimentos. Como o uso foi generalizado, cada país respondeu de um modo: os franceses protestaram ainda mais do que o normal, os italianos começaram a consumir rock progressivo alucinadamente, os suiços permaneceram suiços, os alemães foram fazer terrorismo, os americanos extravasaram seu vazio ficando nus nos parques (mas alguns se sobressaíram), os russos invadiram um vizinho, os brasileiros baixaram o AI-5 e os britânicos se tornaram ainda mais britânicos, o que é tão genial quanto o mundo pode atingir.

Digo isto enquanto ouço um álbum que descobri hoje. É animador, mas também vergonhoso, descobrir uma banda dos anos 60 nesta altura da vida. Não que eu não conhecesse The Kinks: só nunca tinha entrado a fundo na carreira deles para sair das músicas mais conhecidas e descobrir o álbum mais genial da história, The Village Green Preservation Society. Genialidade britânica em seu auge.

Não surpreende que o álbum não não tenha feito sucesso algum na época do lançamento. Enquanto alguns cantavam a revolução e outros falavam de gnomos, The Kinks apareceu com um álbum amalucado que misturava sarcasmo com saudosismo, letras brilhantes e músicas sensacionais - "help save the little shops, chinese cups and virginity" não parece ser um bom lema para 1968. Um álbum que poderia ser filho de Syd Barret com Simon & Garfunkel e Dylan Thomas. Suruba perfeita. Quem não conhece - como eu não conhecia até hoje - com certeza está tendo uma vida menos feliz do que poderia. Eu ainda tento entender como sobrevivi tanto tempo sem esse álbum (pra não falar do seguinte, Decline and Fall of the British Empire, outra obra-prima).

Mas, bem, isso me traz de volta a 1968. Um top 5 álbuns de 1968 deve ser refeito para encaixar a obra-prima. Claro que o autor é sempre o LSD, mas vou rankear por artistas que psicografaram as obras.

Top 5 álbuns de 1968

1. The Village Green Preservation Society - The Kinks
2. A Saucerful of Secrets - Pink Floyd
3. Os Mutantes - Mutantes
4. The White Album - The Beatles
5. Bookends - Simon & Garfunkel

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Dos Grandes Clássicos Literários Que Não Li

Tudo Que Você Pensa, Pense ao Contrário - Paul Arden

“Brilhante, da pesada, encantador, irrascível e totalmente excêntrico — Paul Arden é um pensador original com extraordinário ímpeto e energia, abençoado com um gênio criativo aliado a um tipo de bom senso que não é nada comum.” - Roger Kennedy, Saatchi Saatchi

"Eu gostei do livro" - Dr. Edward Pointsman, KBE, logo após a leitura


Eu nunca soube que a Bíblia tinha sido escrita por Paul Arden: na capa do livro, abaixo do título, há "Paul Arden, autor do livro mais vendido do mundo".

Mas, bem: de escritor da Bíblia a escritor de livros de auto-ajuda reversa. Um passo e tanto. Para trás.

Paul Arden é um publicitário de sucesso. Roberto Justus também é um publicitário de sucesso, o que acaba com o primeiro grande argumento a favor do livro. Talvez a palavra sucesso seja um contra-argumento poderoso a qualquer um que se pretenda bom. A grande recomendação do livro também parece vir de um publicitário de sucesso, talvez seu ex-estagiário na empresa onde trabalhou por anos e anos. Tem algo muito errado.

O processo de criação de livros de auto-ajuda é simples: invente uma fórmula - qualquer uma, não importa -, desenvolva-a do modo mais raso e direto possível para que até um macaco lobotomizado a entenda e passe o resto do livro embromando. Ache a editora certa, coloque-o à venda por R$ 29,90, anuncie na parte traseira dos ônibus e, voila!, você será um sucesso. Talvez venda até mesmo mais do que a Bíblia e desbanque Paul Arden.

Mas, voltando ao livro: o autor, supostamente, faz uma crítica aos livros de auto-ajuda "que estão por aí", livros que seguem uma lógica associada ao senso comum e rudimentos de psicologia. "O problema de tomar decisões sensatas é que o mundo está fazendo o mesmo". Até aí, brilhante: estaria o autor proponda uma "tática Coringa" para espalhar o caos pelo mundo?

Obviamente, longe disso. O autor passa o resto do livro tentando nos provar que a pessoa precisa ser ousada. E só. Por trás de citações de filósofos, cientistas, políticos e dinossauros extintos, uma lógica que consegue ser mais rasa do que a dos livros que ele critica. "Me surpreenda" é o mantra de Paul Arden, do começo ao fim do livro. Ser ousado me parece um tantinho diferente de não tomar decisões sensatas. Ou ousadia e sensatez são conceitos excludentes?

O livro, claro, é sempre cheio de exemplos. Um deles: Paul Arden, um homem nu ao seu lado e uma platéia. O mote: "esse cara nu poder ser qualquer coisa: milionário, ministro, padeiro. Basta querer". Uau! Tivesse o homem nu lido o livro, poderia surpreendê-lo: "eu sou economista", poderia gritar e acabar com a palestra; poderia tocar um orgão e gritar "it's", que é tudo que se espera de um organista nu; poderia até mesmo matá-lo ("posso ser um assassino, há"), que seria a mais sensata coisa a se fazer segundo os sábios ensinamentos do Justus inglês.

E, por fim, há o grande paradoxo do livro: se tudo que eu pensar, pensar ao contrário, cria-se um círculo vicioso sem fim: eu penso de novo ao contrário, e de novo, e de novo, criando um campo de pensamento e anti-pensamento que pode levar a um buraco negro mental. Talvez isso aconteça com aqueles que seguirem os ensinamentos. Certeza de que isso aconteceu com o autor.

Melhor ficar com a Bíblia.

terça-feira, 29 de julho de 2008

O Mundo é um Circo

A grande graça do Batman novo é que o Coringa é quase um personagem do Pynchon, solto ali, no meio de tantos normais. Sozinho, ele é capaz de transformar um filme que deveria ser apenas ok em uma epopéia caótica como há muito nao vejo.

Leibniz foi uma espécie de filósofo - Pollyana: acreditava que vivíamos no mais perfeito dos mundos. Foi preciso Voltaire (e o terremoto de Lisboa, dizem) para acabar com a palhaçada: Cândido ou O Otimista é uma das mais geniais obras de destruição satírica de todos os tempos. E, o que é melhor: não propõe nada. Esqueça o mundo maravilhoso: é o caos, e pronto.

A tentativa de domar o caos no mundo é, apenas, um modo de chatear ainda mais as coisas. Para quê esperar que tudo siga uma ordem pré-estabelecida?

Em um dos melhores episódios de Bob Esponja, Lula Molusco, cansado, se refugia em um local maravilhoso onde todos são iguais a ele. Um tempo depois, cansa tanto daquilo que resolve fugir antes que desse um tiro na cabeça e volta ao convívio com Bob Esnponja e Patrick. Não há tanta diferença entre o Coringa e o Bob Esponja.

Em oposição ao mundo de Lula Moluscos há o mundo de Pynchon: paranóico, absurdo, caótico. Não chega a ser o mundo como ele é - embora, em alguns momentos, ele realmente fique assim - mas é o mundo como ele deveria ser. Melhor dos mundos é uma ova: vamos bagunçar esse negócio!

Se não temos um Coringa no mundo real (não?), temos alguns exemplos de pessoas que tornam tudo mais divertido mesmo em condições que, seguidas as regras, deveriam ser uma chateação só. Vejam o Hugo Chavez: o cara é capaz de levar qualquer um às gargalhadas. Em meio a enfadonhas cúpulas presidenciais, é o único do qual se pode esperar qualquer coisa que preste - até mesmo levar um rei a loucura. Em contraponto, imaginem um mundo onde todos os líderes são o Gordon Brown ou o Jaques Chirac? Eu não sei vocês, mas eu daria um tiro na cabeça.

Por quê nossos vilões reais não podem ter senso de humor? Quem precisa de um sujeito como o atual presidente do Irã? A ele devemos realmente temer: o sujeito não ri nunca, e só alguém sem senso de humor é capaz de ameaçar o mundo. Já chega a chatice toda do status-quo americano: queremos vilões engraçadosm, e a eles não devemos temer! Sadam Hussein era um chato de galocha, mas eu aposto que o Iraque não teria sido invadido se, em lugar dele, estive no poder o hilário Ministro das Informação Mohammed al Sharaf - aquele que jurava que os americanos não estavam nem a 100kms de Bagda e que tudo não passava de um filme de Hollywood enquanto, ao fundo, os tanques americanos percorriam a rua principal. O maior líder da União Soviética foi Kruschev - responsável pela única genialidade em 80 anos de chatice comunista - que, ao se irritar numa reunião com o americanos, tirou o sapato e começou a bater na mesa, aos gritos. Falta graça aos líderes africanos e o casal Kirchner me faz dormir por três dias seguidos, mas o mundo se torna um lugar um pouquinho melhor quando o Kadhafi resolve ser piadista, o líder da Coréia do Norte troca um reator nuclear por algumas Ferraris e Porsches e o Lula diz que sua mãe nasceu analfabeta. Estivesse no poder em lugar ao certinho Guilherme II, o alucinado Rei da Baviera Lwdwig II teria enchido a Alemanha de castelos sensacionais e festivais de música e não invadido seus vizinhos.

Já que o mundo é um circo, não é muito pedir que, ao menos, os palhaços sejam bons.